É suficiente a leitura dos livros de Allan Kardec, na tradução de José Herculano Pires, para entender melhor a Doutrina Espírita codificada pelo pedagogo francês? Não, não é. Ele é apenas um ponto de partida, um começo de caminhada, que poucas pessoas conseguem entender muito bem.
Para piorar, muitos permanecem "espiritólicos" (nome que damos aos pretensos espíritas devido à sua inclinação ainda igrejista), mesmo quando adquirem os livros kardecianos traduzidos pelo sobrinho de Cornélio Pires. E mesmo a leitura habitual e aparentemente dedicada não é o bastante.
Em primeiro lugar, é muito comum que essas pessoas leiam tais livros como se fossem romances. Leem até o fim, mas não conseguem ter uma compreensão exata das ideias apresentadas pelo pedagogo francês, que José Herculano Pires não só traduziu palavra por palavra, frase por frase, para um português fiel ao sentido das ideias de Kardec como fez várias notas explicativas.
Mas mesmo aqueles que conseguem entender tais ideias e apreciar o raciocínio honesto de Allan Kardec, traduzido com a mesma honestidade por José Herculano Pires, chegam a aceitar, no entanto, práticas, ritos e mitos espiritólicos, porque não basta entender a teoria se não a segue na prática.
Muitos que leem as traduções de Herculano dos livros de Kardec ainda veem como "legítimas" as "mentiunidades", ou melhor, fraudes pseudo-mediúnicas trazidas pelos pseudossábios Chico Xavier e Divaldo Franco, com seus plágios literários e tudo o mais.
Isso porque não adianta ler O Livro dos Médiuns na sua mais honesta tradução e acreditar em mensagens apócrifas que só tem a grafia do "médium" - até mesmo os "insuspeitos" Xavier e Franco - , que só dizem uma mesma mensagem religiosa, sejam psicografia auêntica.
Não é difícil entender por que os ditos "centros espíritas", que sempre transmitem uma "doutrina espírita" catolicizada, com nove de cada dez palestras "espíritas" dedicadas à Família, aceitam receber em suas bibliotecas as traduções de Herculano na bibliografia kardeciana.
Essas traduções chegam a compartilhar prateleiras com os mesmos livros com outros tradutores, como Guillón Ribeiro e outros menores, que sempre "catolicizam" seus textos, do contrário da fidelidade textual do sobrinho do artista caipira.
Isso se deve porque, para a atual fase do "espiritismo", os textos traduzidos por Herculano são um "mal menor". Pretensamente conciliadores, os "espíritas" costumam bajular cientistas e até espíritas sérios, porque o chamado "movimento espírita" é uma doutrina deturpadora, mas é também doutrina de bajuladores, usurpadores e parasitas.
Depois que Jean-Baptiste Roustaing saiu de moda diante de tantas crises na Federação "Espírita" Brasileira, os "espíritas" passaram a fingir que obtém rigorosa fidelidade aos ensinamentos de Allan Kardec, e criam todo um aparato para isso.
Há desde palestrantes com pose de sérios alertando contra os "falsos espíritas" até acadêmicos que, também com pose de sérios, dão legitimidade científica a qualquer bobagem pseudo-mediúnica, como a risível tese de atribuir a André Luiz um pioneirismo científico improcedente.
Muito malabarismo de palavras é feito, para que muitos acreditem que o "espiritismo" catolicizado no Brasil segue rigorosamente as diretrizes de Allan Kardec e estabeleçam um equilíbrio entre ciência, filosofia e fé religiosa, o que na prática não acontece.
Afinal, Kardec via a religião não no sentido das doutrinas dogmáticas que se conhece no Brasil, mas no sentido dos esforços para resolver os dilemas morais dos homens, algo que passa longe do moralismo blasé que os "espíritas" seguem por herança do Catolicismo medieval português.
A conclusão que se faz é que ler os livros traduzidos por José Herculano Pires é muito bom para conhecer as ideias originais de Allan Kardec passadas para um vocabulário em português brasileiro que se mantenha fiel ao pensamento do professor francês.
No entanto, isso é apenas o começo do caminho, o começo da jornada, e entender essas ideias mas aceitar todas as barbaridades que acontece soa como o advogado que conhece todas as leis e permite a impunidade dos bandidos. De que adianta saber o correto se aceita o que se faz de errado?
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