Madre Teresa de Calcutá, mesmo com a ampla divulgação de seu lado mais sombrio, de exploração impiedosa dos pobres e enfermos e de suas alianças com os poderosos, será promovida a santa em setembro de 2016, anunciou o Vaticano esta semana.
O Vaticano acolheu um pedido de um padre brasileiro por causa de um suposto caso de cura atribuído às orações a Madre Teresa. A estória, que contou com 15 testemunhas e gerou um documento de 400 páginas, teria passado em 2008.
Um engenheiro de 35 anos que teve a identidade "preservada" e mora em Santos estava passando lua-de-mel com sua esposa. Eles haviam acabado de se casar e curtiram a viagem em Gramado, cidade do Rio Grande do Sul. De repente, o homem se sentiu mal e foi levado para o hospital da cidade gaúcha. Quando o exame diagnosticou hidrocefalia, que é o acúmulo de líquido no cérebro, o homem foi levado às pressas para um hospital de Santos. Ele foi internado e parecia estar em estado terminal. Foram identificadas oito infecções. Os médicos marcaram uma cirurgia para o dia seguinte.
A esposa, por sua vez, foi para uma igreja em São Vicente e falou com um padre. Ele a deu uma medalha de Madre Teresa e pediu para que ela orasse para a freira albanesa. A mulher então decidiu ir para o hospital de Santos e pediu para que colocassem a medalha sob o travesseiro do leito em que estava o marido, que depois foi deitar e dormir.
Aí chegou o dia seguinte, o da cirurgia, e o homem acordou lúcido, parecia saudável e resolveu se levantar sozinho e tomar o café. Parecia estar curado. Os médicos pareciam surpresos e uma entidade médica, por unanimidade, constatou que a cura da doença é "cientificamente inexplicável" e consideraram a façanha um "milagre".
Tudo parece bonito e comovente, mas é propaganda religiosa. Madre Teresa de Calcutá estava sob a condição de beatificada - espécie de pré-canonização - quando o caminho foi suspenso diante das provas de que uma moça que sentia fortes dores no estômago e foi diagnosticada com câncer no quisto dos ovários, a indiana Monica Besra, não se curou por causa da medalha da Madre Teresa, mas porque usou regularmente os medicamentos indicados para o tratamento.
Como se trata de um país como o Brasil, paraíso da complacência humana e da ingenuidade que aceita qualquer barbaridade, ninguém se preocupa em examinar o caso do engenheiro paulista. Será que o que ele sofreu foi uma hidrocefalia em estado terminal? Ou teria sido um mal-estar sem qualquer gravidade? Os exames não teriam sido forjados? As testemunhas não teriam sido compradas? Sua identidade foi mantida em sigilo ou simplesmente não houve esse homem?
Madre Teresa de Calcutá é um dos mais rentáveis ídolos religiosos do mundo. Seu mito foi construído pelo jornalista inglês Malcolm Muggeridge (1907-1990), que realizou um documentário da BBC intitulado Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God), de 1969. Ela passou a personificar paradigmas conservadores e convencionais ligados à ideia de "amor" e "caridade" defendidos pelo "sistema", baseados em práticas paliativas e pouco eficazes.
No entanto, investigações feitas a partir do também jornalista inglês Christopher Hitchens (1949-2011) apontaram que o mito de Madre Teresa era uma fraude. As "casas dos enfermos e moribundos" que fundou em Calcutá eram apenas depósitos de miseráveis, que eram alojados uns ao lado de outros, sem higiene, com alto risco de contágios e se limitando a tomar paracetamol ou aspirina para aliviar as dores. Seringas infectadas eram usadas para todos e só eram lavadas com água de torneira, que não é esse primor de limpeza num país como a Índia.
Madre Teresa era adepta da Teologia do Sofrimento, e seu exemplo fez os adeptos da fé religiosa acreditarem que o sofrimento que atinge os deserdados da fortuna - ou seja, aqueles que não têm acesso a uma vida de significativo conforto - é uma "dádiva de Deus" e uma forma de atingir "bênçãos futuras". A ideia é defender que essas pessoas continuem sofrendo todo tipo de desgraça porque, ao morrerem, irão para o céu e receberão as "graças merecidas".
O mais incrível é que Madre Teresa de Calcutá foi considerada perversa por causa dessas ideias de que "sofrer é lindo". Aqui no Brasil, porém, Francisco Cândido Xavier recebeu tratamento diferente quando defendeu as mesmas ideias. Vamos explicá-las então.
Chico Xavier também era outro adepto da Teologia do Sofrimento. Ele dizia que as pessoas sofredoras deveriam suportar as desgraças "sem queixumes" (palavras dele). Ele chegou a dizer para as pessoas "sofrerem amando", para que pudessem depois (geralmente de maneira póstuma) recebessem as "bênçãos e graças da vida futura".
E qual o absurdo? Pelas mesmas ideias que Chico Xavier teve em relação a Madre Teresa, foram dados dois pesos e duas medidas. Por defender a Teologia do Sofrimento, Madre Teresa foi chamada de "anjo do inferno". Pela mesma postura, Chico Xavier foi visto como "progressista" e "ativista".
É até engraçado que Chico Xavier e Madre Teresa de Calcutá sejam comparados, quando o propósito é defender a imagem positiva de ambos. Mas, quando se trata de denunciar aspectos sombrios, Madre Teresa pôde ser contestada porque o Primeiro Mundo dá espaço ao pensamento questionador e pessoas como Christopher Hitchens gozam de prestígio e boa visibilidade.
Já no Brasil em que certas pessoas dotadas de estupidez se revoltam contra o "excesso de lógica" dos questionamentos mais audaciosos, Chico Xavier tem dificuldade para ser questionado. No exterior, universitários canadenses confirmaram as denúncias de Hitchens e criaram teses apontando irregularidades na trajetória de Madre Teresa.
Já Chico Xavier tem setores acadêmicos atrelados a ele, que criam apenas simulacros de investigações que só servem para dar um verniz científico e polêmico à sua figura. Uma das instituições que agem nesse sentido é o Núcleo de Estudos sobre Espiritualidade e Saúde (NUPES) da Universidade de Juiz de Fora, liderados pelo poderoso Alexander Moreira-Almeida, cuja aparência lembra o jornalista da Rede Globo, Ali Kamel, assim como o tendencioso status quo.
Só para perceber os absurdos dos acadêmicos chiquistas, uma pesquisa chegou a supor um pioneirismo de 63 anos nas teses sobre glândula pineal atribuídos ao fictício espírito André Luiz (que os "espíritas" alegam ter existido), num livro de 1945, Missionários da Luz. Os acadêmicos supuseram que os estudos sobre a glândula nos anos 1940 eram "escassos", sem que consultassem um único trabalho da época (levaram a essa suposição através de fontes de segunda mão) e ignorando que um dos maiores especialistas do tema, na época, era o alemão Wolfgang Bargmann.
Em todo caso, Chico Xavier e Madre Teresa são igualmente adorados pelos "espíritas", que ficaram extasiados com a canonização da freira albanesa. Não que exatamente compartilhassem literalmente das crenças e ritos católicos - o "espiritismo" brasileiro é uma espécie de Catolicismo mais afrouxado - , mas os "espíritas" veem na canonização uma "celebração" ao "admirável caráter" que eles tanto apreciam em Madre Teresa.
Os "espíritas" também condenam o aborto, tal como Madre Teresa, sem considerar casos em que as gestantes correm risco de morrerem devido a problemas de saúde específicos, ou quando elas se engravidaram por violência sexual ou se seus bebês poderão nascer com algum tipo grave de doença. Hipócrita, Madre Teresa comparou os fetos mortos nesses contextos com os miseráveis e assassinados nos países bélicos da África.
Quanto ao suposto milagre do engenheiro brasileiro, é constrangedor ver que uma freira que alojava doentes e enfermos para morrerem à míngua, deixados ao léu de seus sofrimentos e angústias, não os ter curado com seu "milagre". Há até dúvidas se esse caso do "milagre" não teria sido um blefe combinado por um casal de devotos religiosos e algumas figuras médicas e paroquiais para compensar o fracasso do caso Monica Besra. Até porque o "enfermo" não mostrou sua identidade.
Como é que Madre Teresa vai ser considerada benfeitora de um caso desses? Nem temos certeza que realmente existiu, enquanto vemos que a vida da "missionária" de Calcutá foi marcada pelo sacrifício de pessoas desafortunadas que não recebiam a devida assistência nem cuidados, e eram martirizadas de forma sádica, sob o pretexto de "acelerarem seu caminho para o seio de Deus".
A canonização é apenas uma avaliação terrena e materialista de um grupo de sacerdotes, nem sempre dotada de justiça. Padre Anchieta, que chegou a mandar matar um herege - sob o apoio entusiasmado do Padre Manuel da Nóbrega, que os "espíritas" conhecem na figura de Emmanuel - , também foi canonizado. Portanto, isso não tem a menor serventia espiritual e, além do mais, no caso de Madre Teresa, isso não irá remover as manchas negativas que ela deixou em sua vida.
Comentários
Postar um comentário