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Caso Amauri Xavier deveria ser reaberto

Com o lançamento do documentário Bolsonaro e Adélio - Uma fakeada no coração do Brasil, e o anúncio da produção de um outro documentário sobre o assassinato da atriz Daniella Perez, é urgente que se abram investigações sobre o caso Amauri Xavier, o sobrinho de Francisco Cândido Xavier, o suposto médium conhecido popularmente como Chico Xavier.

Amauri Xavier Pena teve uma morte suspeita, em setembro de 1961, quando ele não havia sequer completado 28 anos. Por ironia, 60 anos depois, seu tio Chico Xavier ganhou, nas mãos de um deputado do "Centrão" bolsonarista, Franco Cartafina - que pouco tempo antes havia votado SIM para a PL da Grilagem - , um discutível título de "herói da Pátria", por conta de uma "caridade" tão fajuta quanto a de Luciano Huck e cujos resultados medíocres não fizeram de Uberaba uma cidade próspera e justa e a pobreza no Brasil nem de longe foi sequer parcialmente resolvida.

Pois a concessão desse título de "herói da Pátria" a Chico Xavier, inserindo páginas tão lamentáveis a um eclético Livro de Heróis e Heroínas da Pátria - o chamado "Livro de Aço", guardado no Panteão da Pátria, em Brasília, no qual se registram tanto os pseudo-heróis da História do Brasil quanto pessoas realmente humanistas - , se deu justamente quando se lembra de uma estranha morte que o próprio "movimento espírita" quer manter escondido debaixo do tapete.

A estranha morte de Amauri Xavier Pena, natural de Sabará e filho da irmã do "médium", Maria Xavier, e de Jaci Pena, foi relatada em 09 de agosto de 1958, pelo Diário de Minas, periódico mineiro, e pela revista Manchete, lançada em 1952 pela Editora Bloch como um contraponto mais profissional para a revista O Cruzeiro, então acusada de ter cometido fraudes jornalísticas que incluíam uma suposta espiã russa e uma suposta aparição de naves extraterrestres.

Devemos lembrar que o hoje esquecido caso de Amauri Xavier é uma mancha sombria na trajetória de Chico Xavier e consiste num episódio mais grave do que o caso da deputada e pastora Flordeliz, condenada por mandar matar o marido, o pastor Anderson do Carmo, em Niterói. Isso porque o caso Flordeliz envolve incidentes mais previsíveis quanto aos erros dos neopentecostais, enquanto o caso Amauri Xavier representa uma ameaça gravíssima à reputação que Chico Xavier conquistou nas últimas quatro décadas, comparável à de uma fada-madrinha para o imaginário do mundo adulto.

Amauri havia sido designado a suceder Chico Xavier e se tornar "médium". O jovem chegou mesmo a trabalhar uma suposta psicografia atribuída ao escritor português Luís de Camões, publicação que seria voltada, como sempre, à "bandeira ufanista" do tio, que havia escrito, com o presidente da Federação "Espírita" Brasileira, Antônio Wantuil de Freitas, o livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, que os dois autores creditaram sob o pretenso nome de "Humberto de Campos", tido como "autor espiritual" deste livro de 1938, que narra a História do Brasil como os piores livros didáticos da matéria, contrariando o caráter revelador que se acredita haver nas obras ditas "mediúnicas".

Um ano depois de Chico Xavier ter feito assédio moral em Humberto de Campos Filho, montando um evento festivo misturando "doutrinária espírita" com exibições de práticas meramente assistencialistas, em 1957 - Chico usou da tática traiçoeira do "bombardeio de amor" para seduzir, emocionalmente, o filho de Humberto de Campos - para dar fim aos processos judiciais que os filhos do escritor maranhense moviam contra o "médium" e a FEB, Amauri resolveu denunciar o tio, acusando-o de fraudes na sua (pretensa) psicografia. 

Disse Amauri ao conceituado repórter Jayme Negreiros, da revista Manchete:

"Sempre encontrei muita facilidade em imitar estilos. Por isso, os espíritas diziam que tudo quanto saía do meu lápis eram mensagens ditadas pelos espíritos desencarnados. Revoltava-me contra essas afirmativas, porque nada ouvia ou sentia de estranho, quando escrevia. Os espíritas, entretanto, procuravam convencer-me de que era médium. Levado a meu tio, um dia, assegurou-me ele, depois de ler o que eu escrevera, que deveria ser seu substituto. Isso animou bastante os espíritas. Insistiram para que fosse médium.

Passei a viver pressionado pelos adeptos da chamada 'terceira revelação'. A situação torturava-me e, várias vezes, procurando fugir àquele inferno interior, entreguei-me a perigosas aventuras. Diversas vezes, saí de casa, fugindo à convivência de espíritas. Cansado, enfim, cedi, dando os primeiros passos no caminho da farsa constante. Teria 17 anos. Ainda assim, não me vi com forças para continuar o roteiro. Perseguido pelo remorso e atormentado pelo desespero, cometi desatinos. Em algumas oportunidades, tentei recuar, sucumbido, atordoado. Vi-me, então, diante de duas alternativas: mergulhar de vez na mentira e arruinar-me para sempre ou levantar-me corajosamente para penitenciar-me diante do mundo e de mim mesmo, libertando-me definitivamente. Foi o que resolvi fazer, procurando um jornal mineiro e revelando toda a farsa. Sei das reações que minhas declarações causarão. Mas não me importo. O certo é que, enquanto me sacrificava pela propaganda de uma mentira, não me julgavam maluco. Não desmascaro meu tio como homem, mas como médium. Chico Xavier ficou famoso pelo livro 'Parnaso de Além-Túmulo'. Tenho uma obra idêntica e, para fazê-la, não recorri a nenhuma psicografia".

Amauri causou um grande escândalo na época, e a matéria é chocante de tal forma que os adeptos de Chico Xavier, acostumados a adotar posturas de omissão - são capazes de pôr a lógica e o bom senso às favas para blindar o "adorável médium" - , chegaram a reagir, na época, com muito ódio e desejo de vingança, contrariando a tese de que os "kardecistas" (eufemismo para adeptos de Chico Xavier e de um "espiritismo" que de Allan Kardec só tem a fachada) são incapazes de sentir qualquer tipo de ódio ou aversão, "mesmo que fosse para o pior dos inimigos".

Pois a revista Manchete deu uma pista, em pouquíssimas palavras, na matéria que, na capa do periódico, apresentou como chamada a expressão "Chico Xavier, médium de mentira". Diz o texto da edição de 09 de agosto: "Em Belo Horizonte, Sabará e Pedro Leopoldo, diz-se que Amauri foi ameaçado de morrer envenenado pelo meio espírita e que ele resolveu 'desmascarar o tio por despeito'".

Um delegado de polícia de Sabará, capitão Agostinho Couto - com um perfil que hoje lembraria um policial apoiador de Jair Bolsonaro - , odiava Amauri e inventou acusações contra o rapaz que só não foram tão enérgicas porque o policial respeitava os pais do jovem:

"Ele é desordeiro, demente, não tem jeito. Já mandei prendê-lo várias vezes, mas não quis fazer processo. Sua família é muito humilde e boa. Amauri já foi surpreendido tentando assaltar uma casa, com outros companheiros. Já transformou uma cédula de Cr$ 10 numa de cem", disse o delegado.

Devemos lembrar que foi essa mesma acusação de "falsificação", provavelmente a mão, de uma cédula de dinheiro, que fez com que outro policial, em 25 de maio de 2020, rendesse o negro George Floyd e o estrangulasse covardemente com uma das pernas, mesmo sob os clamores da população para evitar isso e sendo o detido uma pessoa inocente. Floyd era acusado, como Amauri Xavier no passado, de ter "resurado" uma cédula de dinheiro para forjar um valor financeiro maior do que o real.

A reação de ódio contra Amauri Xavier pode ser exemplificada com um texto raivoso trazido por um conhecido escritor "espírita" de Minas Gerais, Henrique Rodrigues. Um trecho resume muito bem o ódio e o sentimento vingativo de Henrique e outros solidários a Chico Xavier, num artigo publicado na coluna "Nos Domínios do Espiritismo", na edição do jornal O Semanário, de Belo Horizonte, de 11 a 18 de setembro de 1958:

"Tudo iria muito bem, com plena compreensão dos espíritos que jamais perseguiram ninguém. Não é preciso; Amauri está agora entregue a sua própria sorte, ao destino que procurou com a sua invigilância. Seus companheiros de hoje, encarnados e desencarnados, hão de ensinar-lhe a lição a dignidade. Vai doer, mas vai ser útil".

As palavras supostamente amenas de Henrique não conseguem esconder o ódio contra Amauri Xavier, e põem suspeitas da forma com que Amauri Xavier, vítima de uma campanha caluniosa do "meio espírita", foi tratado num sanatório "espírita". Suspeita-se que Amauri tenha sofrido maus tratos, já que sua figura inspirava profunda irritação e revolta entre os seguidores de Chico Xavier.

As acusações contra Amauri Xavier, feitas sem qualquer tipo de fundamento, incluíram alegações de que ele teria sido "alcoólatra" - a mesma acusação que os antipetistas atribuem ao hoje candidato a um novo mandato presidencial, Luís Inácio Lula da Silva - e um "perigoso assaltante", tido como "falsificador de dinheiro" e "arrombador de casas". Nada disso teve provas e tudo foi feito como um juízo de valor e acusações falsas que os próprios "espíritas", contraditoriamente, desaprovam e não recomendam aos outros. "Faça o que eu digo, não faça o que eu faço", diz o ditado popular.

Embora oficialmente a morte de Amauri Xavier tenha sido atribuída ao alcoolismo, alguns aspectos estranhos se pode notar. Um deles é que não se atribuiu a Amauri um outro vício mais grave, e isso faz com que uma morte por um simples alcoolismo não mataria seu usuário com 27, 28 anos, mas alguns anos mais tarde. O famoso jogador de futebol Mané Garrincha morreu meses antes de completar 50 anos.

Além disso, não há provas de que Amauri tenha sido realmente um alcoólatra. Tudo indica que foi apenas uma acusação inventada para desmoralizar o rapaz e desacreditar em suas denúncias contra Chico Xavier, considerado a "galinha dos ovos de ouro da FEB", que sob o pretexto da "caridade" enriqueceu os chefões da federação com a venda dos livros e a doação dos direitos autorais. Esse enriquecimento chegou a ser denunciado em 1969, mas foi abafado quando Chico Xavier ensaiou um coitadismo, fingindo "estar entristecido" com isso, apesar do enriquecimento fazer parte do acordo comercial firmado pelo "médium" e por Wantuil de Freitas.

HISTORIADORA TEVE EM MÃOS DENÚNCIA, MAS COLOCOU PANOS QUENTES NO ASSUNTO

Não bastasse as suspeitas de que Amauri Xavier teria sido morto por "queima de arquivo", as denúncias que ele faria revelam práticas de fraudes mediúnicas que podem trazer indícios de uma forma de charlatanismo, que é a falsa paranormalidade, evocando na maioria das vezes nomes famosos para provocar sensacionalismo, e alegar que tais atividades são feitas para "consolar os sofredores" e "curar as angústias".

A denúncia que Amauri Xavier iria fazer, contra Chico Xavier, a FEB e a União "Espírita" Mineira, envolveria práticas fraudulentas de supostas psicografias, creditadas tanto a nomes ilustres como a nomes comuns, prática condenada pela Codificação. Chico Xavier chegou a atrair para si o apoio deslumbrado do ex-esportista Arnaldo Rocha, explorando sentimentos obsessivos de saudade da esposa morta, a professora mineira Irma de Castro Rocha, a Meimei, prematuramente falecida aos 24 anos. 

Imitando uma linguagem infantil, Chico Xavier usou o nome de Meimei para produzir livros dedicados ao público infantil, com os mesmíssimos apelos religiosos e moralistas conservadores que Chico trazia sob os codinomes de Emmanuel e André Luiz.

Sobre os nomes ilustres, é preciso lembrar que esta é uma das piores práticas de Chico Xavier junto à sua suposta profecia da "data-limite", e elas são reprovadas pelo célebre O Livro dos Médiuns, que parece ter previsto as péssimas práticas que o "médium" mineiro utilizou para obter promoção pessoal e se sustentar por uma adoração obsessiva que envolve até seguidores tidos como "leigos" e "não-espíritas".

A "data-limite" corresponde a uma prática rejeitada severamente pelo capítulo 26 - Perguntas que se podem fazer, item 289, perguntas 7 a 10. Selecionamos a pergunta 8, lembrando que Kardec considera o hábito de "prevar datas determinadas" para o futuro uma atitude de espíritos inferiores:

"8. Às vezes, entretanto, alguns acontecimentos futuros não são anunciados espontaneamente pelos Espíritos de maneira verídica?

— Pode acontecer que o Espírito preveja coisas que considera conveniente dar a conhecer, ou que tenha por missão revelar-vos. Mas é nesses casos que mais devemos temer os Espíritos mistificadores, que se divertem fazendo predições. É somente pelo conjunto das circunstâncias que podemos julgar o grau de confiança que elas merecem".

Quanto aos "nomes ilustres", que a literatura kardeciana define como "grandes nomes", o capítulo 20 - Influência Moral dos Médiuns, item 228, do qual tivemos que selecionar um considerável trecho:

"Tornando-se presa de Espíritos mentirosos, suas (dos médiuns) faculdades foram primeiramente pervertidas, depois aniquiladas, e diversos se viram humilhados pelas mais amargas decepções.

O orgulho se manifesta, nos médiuns, por sinais inequívocos, para os quais é necessário chamar a atenção, porque é ele um dos elementos que mais devem despertar a desconfiança sobre a veracidade das suas comunicações. Começa por uma confiança cega na superioridade das comunicações recebidas e na infalibilidade do Espírito que as transmite. Disso resulta um certo desdém por tudo o que não procede deles, que julgam possuir o privilégio da verdade.

O prestígio dos grandes nomes com que se enfeitam os Espíritos que se dizem seus protetores os deslumbra. E como o seu amor próprio sofreria se tivessem de se confessar enganados, repelem toda espécie de conselhos e até mesmo os evitam, afastando-se dos amigos e de quem quer que lhes possam abrir os olhos. Se concordarem em ouvir essas pessoas, não dão nenhuma importância às suas advertências, porque duvidar da superioridade do Espírito que os guia seria quase uma profanação.

Chocam-se com a menor discordância, com a mais leve observação crítica, e chegam às vezes a odiar até mesmo as pessoas que lhes prestam serviços.

Favorecendo esse isolamento provocado pelos Espíritos que não querem ter contraditores esses mesmos Espíritos tudo fazem para os entreter nas suas ilusões, levando-os ingenuamente a considerar os maiores absurdos como coisas sublimes".

As denúncias que Amauri faria no seu tempo revelam um esquema criminoso de produção e modificação de livros "mediúnicos", alterados estranhamente depois de lançados, contrariando a presumida ideia de que as "obras mediúnicas" seriam obras acabadas de "benfeitores espirituais". Só o primeiro livro de Chico Xavier, Parnaso de Além-Túmulo, sofreu cinco estranhíssimas reparações editoriais, com acréscimos e exclusões tendenciosos de poemas e prosas, durante 23 anos.

Eram alterações editoriais bastante suspeitas, das quais Chico Xavier não era vítima, mas cúmplice, como sugerem cartas de Chico Xavier a dirigentes da FEB, como uma que escreveu para Wantuil datada de 03 de maio de 1947, e que, como num "fogo amigo", foi publicado pela amiga do "médium", Suely Caldas Schubert, no livro Testemunhos de Chico Xavier, originalmente lançado em 1981:

"Grato pelos teus apontamentos alusivos ao “Parnaso” para a próxima edição. Faltam-me competência e possibilidade para cooperar numa revisão meticulosa, motivo pelo qual o teu propósito de fazer esse trabalho com a colaboração do nosso estimado Dr. Porto Carreiro é uma iniciativa feliz".

O Dr. Porto Carreiro em questão é Luís da Costa Porto Carreiro Neto, um dos dirigentes da FEB e consultor literário. Consta-se que Porto Carreiro, conhecedor de literatura portuguesa, teria feito consultoria e intervido até mesmo nos textos poéticos do livro supostamente atribuído ao poeta português Manuel Maria Barbosa du Bocage, na pretensa psicografia Volta, Bocage, de 1945.

A historiadora Ana Lorym Soares, na sua tese acadêmica que resultou na publicação O livro como missão: A publicação de textos psicografados no Brasil dos anos 1940 a 1960, adotou uma postura de vergonhosa complacência em vez de verificar objetivamente a pesquisa feita e, abrindo mão do senso crítico necessário a um trabalho investigativo, preferiu ser seduzida pela "magia mística" de Chico Xavier ao escrever o seguinte:

"Embora se propague no meio espírita que a coleção (supostas psicografias) fosse um desdobramento de um projeto de 'despertamento' cuja origem remetia ao 'Além', seria necessária, para sua concretização na Terra, a intervenção humana, através da transformação de um ideal doutrinário em um conjunto de livros dispostos em coleção".

A justificativa de Ana Lorym não tem pé nem cabeça e serve mais para sugerir uma pretensa superioridade da FEB - que, em tese, queria fazer as "psicografias" serem "legíveis" para o leitor comum - sobre as pretensas mensagens espirituais. Ou seja, se as atribuições de "autoria espiritual" já eram discutíveis e com fortes indícios (e até provas) de fraudes, elas também são "desqualificadas" pela FEB, cabendo a "superioridade" da equipe editorial da FEB e Chico Xavier para "traduzir os textos" (?!) para se tornarem "acessíveis" ao público dito leigo.

São grandes absurdos que Ana Lorym não quis investigar, ela que se deixou iludir pelo "espírito do tempo" das burocracias dos cursos de pós-graduação das universidades brasileiras, que discriminam o senso crítico ("ferramenta" racional de autores renomados como Umberto Eco, Noam Chomsky, Pierre Bourdieu e outros), que no Brasil é confundido com "opinião". Mas "opinativos" acabaram sendo acadêmicos como Ana Lorym, Ronaldo Terra e Alexandre Caroli Rocha, que para blindar Chico Xavier vieram com vergonhosas bobagens argumentistas sem embasamento científico algum.

QUEM VAI INVESTIGAR CHICO XAVIER?

Chico Xavier é uma espécie de "PSDB que deu certo", no sentido que recebe uma blindagem que atinge níveis de comédia surrealista. Ele é o único brasileiro contra o qual a lógica e o bom senso não podem mexer, e uma razão muito evidente não é difícil de ser constatada.

No capítulo 23 de O Livro dos Médiuns, intitulado "Da Obsessão", revela explicitamente um dos artifícios que movimentam a idolatria da quase totalidade dos brasileiros a Chico Xavier, a "fascinação", um dos tipos perigosos de obsessão espiritual, como descreve o item 239, que menciona a relação entre espírito e médium, mas pode se aplicar na relação entre um suposto médium e seus deslumbrados seguidores, mesmo aqueles "mais distanciados":

"239. A fascinação tem consequências muito mais graves. Trata-se de uma ilusão criada diretamente pelo Espírito no pensamento do médium e que paralisa de certa maneira a sua capacidade de julgar as comunicações. O médium fascinado não se considera enganado. O Espírito consegue inspirar-lhe uma confiança cega, impedindo-o de ver a mistificação e de compreender o absurdo do que escreve, mesmo quando este salta aos olhos de todos. A ilusão pode chegar a ponto de levá-lo a considerar sublime a linguagem mais ridícula. Enganam-se os que pensam que esse tipo de obsessão só pode atingir as pessoas simples, ignorantes e desprovidas de senso. Os homens mais atilados, mais instruídos e inteligentes noutro sentido, não estão mais livres dessa ilusão, o que prova tratar-se de uma aberração produzida por uma causa estranha, cuja influência os subjuga.

Dissemos que as consequências da fascinação são muito mais graves. Com efeito, graças a essa ilusão que lhe é consequente o Espírito dirige a sua vítima como se faz a um cego, podendo levá-lo a aceitar as doutrinas mais absurdas e as teorias mais falsas como sendo as únicas expressões da verdade. Além disso, pode arrastá-lo a ações ridículas, comprometedoras e até mesmo bastante perigosas".

A imagem fragilizada de Chico Xavier, a aparência supostamente dócil representada ora pelo uso de um boné, ora pelo de uma peruca, e sua aparência feiosa mas que inspira uma suposta beleza oculta, além de apelos piegas de suposta caridade, ao lado de crianças pobres sorridentes e através da produção de imagens que misturam retratos do "médium" com paisagens celestiais ou floridas, revelam esse apelo chamado "bombardeio de amor", perigosíssima forma de dominar e seduzir as pessoas com apelos de suposta beleza e pretensa afetividade.

Na Antiguidade clássica, Homero havia descrito, na sua Odisseia, o que entende-se como "canto de sereia", quando o corajoso navegador Ulisses foi seduzido pelas sereias, perigosas criaturas marinhas com aparência feminina e cauda de peixe, que iriam levá-lo à perdição, se afogando no mar. A lenda do "canto de sereia" é uma alegoria do "bombardeio de amor", quando ideias relacionadas à "beleza" e ao "amor" são usadas para dominar e escravizar pessoas, usando apelos agradáveis como forma de fazer subordiná-las ao domínio de alguém.

É irônico que o pior "canto de sereia" venha não de moças bonitas com "corpo de peixe", mas de um religioso velho, considerado feioso e que vestia roupas cafonas e tinha voz desengonçada. Mas as técnicas de dominação apresentam esse artifício, e é justamente esse aspecto, mesmo repugnante, de Chico Xavier, que faz com que mesmo os céticos mais convictos sejam desarmados pelo perigoso "bombardeio de amor" lançado pelo "médium". Vide a constrangedora reação do antes cético Humberto de Campos Filho em 1957, dominado por Chico Xavier a ponto de chorar feito uma criança depois de uma doutrinária em Uberaba.

No Brasil em que o senso crítico é demonizado por sugerir suposta "subjetividade opinativa", quem deveria investigar Chico Xavier, sem sucumbir á "passada de pano" costumeira em favor do "médium", simplesmente não se encoraja. Juristas, jornalistas investigativos e acadêmicos poderiam pôr em xeque, até mesmo xeque-mate, à mistificação dominante de Chico Xavier (que, de maneira risível, contagia até ateus, que se esquecem que o "médium" era um opositor rigoroso do ateísmo), mas são de certa forma seduzidos pela força mistificadora do beato que viveu seus últimos anos em Uberaba.

Em vez da coragem em sacrificar até mesmo dogmas estabelecidos em nome da lógica e da realidade dos fatos, blinda-se Chico Xavier sob a desculpa da "imparcialidade intelectual", a ponto de haver momentos vergonhosos, como os de Ronaldo Terra, que, na tese Fluxos do Espiritismo Kardecista no Brasil: Dentro e fora do continuum meidúnico", fita para o Mestrado em Ciências Sociais da Universidade do Estado de São Paulo (UNESP), disse que o "médium" teria apoiado a ditadura militar porque "ele era santo":

"Assim, podemos afirmar que sua conduta amistosa em relação aos militares jamais seria questionada pelos espíritas e que, ao homenagear a ditadura, ele evita qualquer tipo de censura, podendo exercer livremente suas atividades e divulgar os preceitos da doutrina. Da mesma forma, os 'comandantes políticos' aproveitaram-se da situação para usufruir do crédito revelado por um homem com perfil de santo, capaz de atrair indivíduos dos mais diversos segmentos religiosos, o que desviava o foco do clero e suas críticas".

Essa tese é tão risível que mesmo um estudante de ensino fundamental de sérios problemas de raciocínio, discernimento e de aprendizado seria incapaz de trabalhar uma tese como a de Ronaldo Terra, tão sem um pingo de fundamento. Ronaldo Terra jogou a lógica e a realidade dos fatos na lata do lixo, com uma aboragem que, essa sim, soa bastante opinativa e parcial, além de investir no absurdo de não admitir que, assim como no nazi-fascismo, religiosos e tiranos políticos podem ser cúmplices, sim, para desespero de quem vê, nos religiosos como Chico Xavier, uma espécie de "fada-madrinha de gente grande".

O caso Amauri Xavier, assim como o envolvimento de Chico Xavier no apoio radical à ditadura militar, entre outros aspectos bastante negativos que deveriam manchar a trajetória do "médium", deveriam ser investigados a sério, de maneira firme e sem complacências, mesmo que seja para pôr fim ao mito do "bondoso médium" e desmentir sua imagem de "caridoso". Tudo tem que ser veito colocando a lógica e a realidade dos fatos em primeiro lugar e não os caprichos de uma idolatria cega que remete a sentimentos de emotividade tóxica próprios do fanatismo religioso.

A necessidade de investigar Chico Xavier tem como base o conceito de que ninguém é dono da verdade. Nem mesmo um suposto médium, sob a desculpa de que ele "fala diretamente com Jesus Cristo", pode se apropriar da verdade, a ponto da lógica e da razão não mexerem com ele. Tudo tem que ser questionado, mesmo que seja sob o preço de derrubar totens e desfazer ídolos cultuados durante inúmeras décadas.

A própria literatura kardeciana, cuja obra seminal O Livro dos Médiuns parece nos prevenir sobre a trajetória irregular de Chico Xavier, alertando sobre seus pontos negativos, recomenda que "é melhor cair um único homem do que todo aquele que se sentir enganado por ele". Infelizmente, no Brasil, se prefere que um país inteiro caia do que abrir mão da fascinação obsessiva exercida pela figura traiçoeira de Chico Xavier.

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