Uma enxurrada de páginas religiosas está invadindo as redes sociais, como o Facebook, o WhatsApp, o Twitter e o Instagram, com a velocidade com que se enviam vírus, spywares e ransonwares na Internet e se produzem páginas de fake news da alt-right internacional (incluindo os bolsonaristas brasileiros).
São páginas "motivacionais", de "mensagens edificantes", criadas por canais invidivuais ou institucionais, que variam desde postagens eventuais de gente famosa - como as atrizes Rita Guedes e Fernanda Souza e o cantor Fábio Jr. - até perfis do tipo "Amigos de Chico Xavier". Não são só mensagens "espíritas", mas também evangélicas e católicas, mas quase sempre se observa nelas um mesmo tom carregado de pieguice e eventual manifestação de moralismo conservador.
Num ambiente como as redes sociais, que deveria ser laico, a religiosidade, descontente com a devoção dos fiéis que possui, tenta se expandir de maneira abusiva, invadindo, através dos algoritmos, perfis de pessoas que nem se identificam com o fanatismo religioso.
Nem todo mundo usa as redes sociais como se fosse um pátio de uma igreja, e quem não quer religião se sente incomodado com tantas mensagens piegas, tanta positividade tóxica ilustrada com figurinhas bonitas e apelos de pretensa inocência, como mostrar crianças, bichinhos, paisagens da natureza, céus ensolarados ou, quando noturnos, estrelados.
É uma grande dificuldade dos internautas que não querem a exposição dessas mensagens, por exemplo, no feed de imagens do Instagram, em ter que bloquear ou até denunciar, um por um, cada canal de mensagem religiosa. E o pior é que, apesar dos bloqueios, os algoritmos multiplicam a exposição de imagens de canais religiosos, com intensidade ainda maior. É como se enxotasse uma abelha para depois voltar um enxame inteiro.
Tem gente que não quer saber de religião nas redes sociais. A liberdade religiosa não significa que se possa jogar religiosidade a qualquer canto que for. Tem gente que gosta de rock, de surfe, de outros assuntos, mas não quer deparar, no feed do Instagram ou do Facebook, com mensagens "motivacionais" de Chico Xavier ou com arquivos piegas com a palavra "Deus" em destaque.
A avalanche religiosa acaba sendo o contrário de liberdade. As religiões reclamam de intolerância, mas elas mesmas são intolerantes quanto à consciência de seus limites e de seus espaços específicos. Elas pedem liberdade de manifestação, mas sufocam a liberdade dos outros de escolherem qual o momento que pensarão em alguma religião.
A "liberdade" e a "tolerância" só são desculpas utilizadas para a expansão das seitas religiosas. E que ninguém pense que somente as religiões neopentecostais, a "vidraça" do momento, são culpadas por essa ganância arrivista de querer transformar, se preciso, até boates eróticas em eventos religiosos. Os chamados "espíritas" são os que mais estão aprontando, com apetite igual ou superior aos que são chamados pejorativamente de "neopenteques" ou "neopentelhos da fé".
"ESPÍRITAS" AFINADOS COM O 'BIG TECH'
"Paraíso" das fake news e da positividade tóxica (que é a mania de "ser feliz à força", mesmo quando tudo vai mal), as redes sociais tornaram-se propícias para o proselitismo religioso, sendo também ambientes em que o deslumbramento pela fé mistificadora encontra maiores facilidades e vantagens.
A suposta "espiritualidade" e suas mensagens de "motivação", não raro calcadas na Teologia do Sofrimento - que pede para que os oprimidos suportem resignados a própria desgraça ou façam esforços acima de suas próprias capacidades para superá-los - , encontram cadeira cativa nas redes sociais e sua emotividade tóxica da fé que faz as pessoas mergulharem em fantasias religiosas.
O "espiritismo à brasileira" encontra terreno fértil nas redes sociais, afinado com a ideia de realidade virtual, pois a própria religião entende o "mundo espiritual" mais como uma realidade virtual, na qual os mortos e seus meios são interpretados conforme as paixões materiais dos vivos, do que para um meio que precisa de maiores e mais cautelosas pesquisas, que é o além-túmulo.
Daí que o mito de Chico Xavier sobrevive nas redes sociais, com a sua imagem de "fada-madrinha do mundo real", sustentado sempre com fantasias agradáveis, porque o suposto médium é a única pessoa em todo o Brasil que a realidade, com seus recursos em prol da Razão e da Lógica, são impedidos de mexer.
Para todo efeito, Chico Xavier só sobrevive através das visões fantasiosas que seus fanáticos seguidores - vários tendenciosamente se proclamando como "não-espíritas", "laicos" e até mesmo "céticos" ou "ateus", como numa carteirada religiosa pelo avesso - , além de alegações de suposta caridade e de supostas lições de vida que as pessoas não conseguem explicar nem entender, apenas louvando o "médium" vagamente pelas pretensas qualidades que ele teve.
Em todo caso, a adoração a Chico Xavier encontra terreno favorável num mundo onde a falsidade impera, as mentiras são socialmente aceitas e apoiadas e as próprias pessoas tentam criar uma ilusão daquilo que elas não são. Com isso, é fácil louvar um suposto médium que foi pioneiro em obras fake, em uma "caridade" tão espetacularizada e de resultados medíocres quanto as de Luciano Huck (adepto confesso de Chico Xavier) e em conceitos moralistas e religiosos retrógrados, bem do agrado de um Brasil marcado pelo atraso.
A alta tecnologia, movida pela Big Tech - as grandes corporações que controlam as redes sociais - , está em afinidade de sintonias com o "espiritismo de Chico Xavier", por ver nela uma possibilidade de promover visões fantasiosas do cotidiano e transformar os internautas em escravos de uma fé mistificadora que não difere muito dos pretensos profetismos e filantropias de gente como Elon Musk e Mark Zuckeberg. Em tempos de distopia necrocapitalista, nada como o "espiritismo" para oferecer uma pretensa consolação, apresentando "mundos extra-terrenos" como Nosso Lar, para iludir a multidão.
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