Os chamados palestrantes "espíritas", alguns deles também "médiuns" - o caso de Divaldo Franco é notório - , sempre vivem apelando para os outros aceitarem o sofrimento, se resignarem com piores perdas, desgraças e prejuízos, pedindo para que se ore em silêncio, sem reclamar e sem denunciar o próprio sofrimento para outras pessoas, nem mesmo os familiares.
Esse "holocausto do bem" defendido pelo "espiritismo" brasileiro, que apoiou o golpe político de 2016, confirma que a doutrina que rasgou os ensinamentos originais trazidos pelo pedagogo Allan Kardec, embora este seja alvo de persistente bajulação, está voltada para a Teologia do Sofrimento, corrente medieval da Igreja Católica. Sabe-se que, se o "espiritismo" brasileiro recuperou bases de alguma coisa, essas bases não foram os postulados espíritas originais, mas o Catolicismo medieval que foi introduzido pelos jesuítas no Brasil colonial.
As pessoas vão dormir tranquilas diante desses apelos que julgam de "contundente sabedoria" e "surpreendente bondade". Não percebem a crueldade terrível desses apelos de "sofrer em silêncio", "não reclamar, mas orar, de preferência, calado" e "não mostrar os sofrimentos para os outros". Iludidas pelo mel das palavras dos palestrantes "espíritas", que escondem venenos mortais aqui e ali, as pessoas também não perguntam se os "espíritas" realmente sabem o que é sofrimento.
Para o "espírita", pouco importa se uma parcela de brasileiros vive no desemprego insuperável, que muitos moram nas calçadas sem saber se estarão vivos no próximo amanhecer, sem higiene e prostrados em situação degradante. Os "espíritas" acham que esses sofredores são "felizes" ou "deveriam se sentir felizes, pois Deus olha para eles", e ainda têm o cinismo de apenas oferecer doações paliativas, como mantimentos, roupas e cobertores, não raro alimentos não-perecíveis de baixa qualidade e roupas usadas que possuem alguma mancha ou alguma parte rasgada.
Será que os "espíritas" não sofrem? Os palestrantes que pregam o sofrimento para outrem vivem na boa vida. Seu emprego é comercializar umas palavrinhas dóceis através de livros e palestras, aparecendo em colunas sociais e realizando eventos em lugares chiques e caríssimos, posando para fotos ao lado de aristocratas e pessoas de elevado status social, se hospedando nos melhores hotéis, tomando para si uma boa remuneração que inventam ser "100% para a caridade".
Cem por cento para a caridade? Como, assim? O palestrante "espírita" se alimenta de luz? A arrogância com que, certa vez, uma banda musical que se apresentou no Campo de São Bento, em Niterói, declarou que a renda de seu CD seria "cem por cento para as obras assistenciais" de uma instituição com o nome de Chico Xavier, é notória. Mas também não é menos arrogante haver gente de falsa modéstia como Alamar Régis Carvalho, que "não vê problema em ganhar dinheiro com o espiritismo, desde que honesto (sic)", porque isso não humaniza os "espíritas".
Sabe-se que muito da "caridade espírita" vai para os bolsos de seus palestrantes, da renda das instituições envolvidas, de estabelecimentos comerciais relacionados etc. Enquanto sofredores são "convidados" e "aconselhados" a abrir mão dos desejos e necessidades mais humanos - mesmo aqueles que trariam evolução espiritual - , os palestrantes acham que "sofrem" dedicando horas a escrever livrinhos tolos de auto-ajuda "espírita", com muito engodo igrejista e mensagens piegas, e fazer palestras com esse mesmo conteúdo viscoso e gosmento, apesar do sabor de mel das palavras.
Que desonra e que indignidade se escondem sob a reputação do mais alto prestígio religioso. O que o manto da fé e o véu dos mais lindos apelos emocionais é capaz de fazer, permitindo que pessoas tidas como "iluminadas" fizessem julgamentos de valor tão severos.
Imagine alguém fazer turismo pelo Brasil e pelo mundo, se hospedar nos melhores hotéis, comer do bom e do melhor, faturar com livros e palestras, aparecer ao lado dos ricos e poderosos, e dizer que os sofredores devem ficar aguentando desgraças porque, depois da morte, virão as bênçãos eternas. Esses palestrantes "espíritas" são dignos de respeito e admiração por causa de tão afiados punhais? Ou teremos que manter a cegueira complacente e achar que o masoquismo é a receita de vida para as pessoas?
Não. O prestígio religioso dos palestrantes e "médiuns" não é moeda de troca para o flagelo humano. Antes da adoração a algum ídolo religioso, mesmo à mercê de apelos como imagens lindas de jardins floridos e crianças sorridentes, o respeito humano tem que vir em primeiro lugar. Se os ídolos religiosos pregam o sofrimento alheio, é porque eles não merecem esse respeito e admiração que tanto os blindam com muita persistência e convicção. Essa adoração tem que acabar.
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